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Agendas Regulatórias: um instrumento de promoção da transparência do planejamento da atividade normativa das agências
Agendas Regulatórias: um instrumento de promoção da transparência do planejamento da atividade normativa das agências
Por Luiz Figueiredo
No final de 2021 concluímos no Programa de Pós-Graduação da FGV Direito Rio uma pesquisa empírica sobre o conteúdo das agendas regulatórias das agências reguladoras federais brasileiras. A agenda é o principal instrumento de planejamento da produção normativa dos reguladores e, a partir da edição da Lei nº 13.848/2019 (“LGA”), sua divulgação passou a ser obrigatória para todas as agências federais.
O planejamento é uma ferramenta de gestão que, aplicada à produção normativa, auxilia a Administração Pública a definir, ordenar, preparar e executar as diversas etapas do processo normativo, desde o conhecimento do problema regulatório a ser enfrentado até a escolha da solução final mais adequada para resolvê-lo. A adoção de técnicas de planejamento evita ações improvisadas e promove o emprego otimizado dos recursos disponíveis, auxiliando o gestor público a atingir os objetivos previamente traçados com maior eficiência.
A publicidade do planejamento regulatório, obtida com a divulgação das agendas, permite que a sociedade obtenha, a partir de um único documento, informações detalhadas sobre “o quê” a Administração Pública pretende regular e sobre “como” (ou conforme quais procedimentos) cada problema regulatório será avaliado e a regulação será proposta, debatida com a sociedade e decidida pela agência.
Os ganhos de transparência decorrentes da divulgação das agendas tendem a reduzir os custos sociais de obtenção de informação e nivela assimetrias existentes entre a Administração Pública e a coletividade sobre a produção normativa das agências. Os espaços de participação social presentes no processo regulatório tornam-se mais visíveis aos diversos grupos potencialmente afetados, mesmo aqueles menos organizados, auxiliando os interessados a conhecer, avaliar e criticar as informações com base nas quais a agência irá decidir, bem como a oferecer contribuições mais úteis ao processo decisório.
A agenda regulatória combina, assim, atributos que simultaneamente promovem a eficiência, a transparência, a participação e o controle social do processo normativo, reforçando a habilidade da Administração de produzir escolhas consideradas legítimas e de melhor qualidade, ou seja, que alcancem resultados melhores para a sociedade.
A pesquisa realizada sobre as agendas regulatórias buscou avaliar as últimas agendas divulgadas por cada uma das onze agências reguladoras brasileiras com o propósito de identificar, a partir de indicadores objetivos, quais reguladores planejam sua atividade normativa de forma tendencialmente mais participativa e transparente, partindo-se da ideia de que agendas que sejam construídas por meio de processos mais participativos e que contenham informações mais completas e inteligíveis sobre as iniciativas e os procedimentos que serão empregados nos processos administrativos normativos podem caracterizar agências tendencialmente mais abertas à participação social e mais transparentes (e que processos de construção de agendas que desprezem contribuições externas e agendas de difícil acesso ou com informações incompletas podem denotar o inverso). O propósito do presente artigo é, de um lado, apresentar os principais achados da pesquisa realizada sobre a dimensão de transparência das agendas regulatórias e, de outro, trazer algumas recomendações de melhoria institucional sobre o tema objeto do estudo.
A LGA regulou o sistema de planejamento da atividade normativa das agências brasileiras utilizando conceitos jurídicos indeterminados. Essa estratégia de desenho normativo conferiu ampla discricionariedade às agências, permitindo a adoção de práticas de planejamento regulatório bastante heterogêneas por cada uma delas. Como resultado, cada uma das onze agências reguladoras federais brasileiras produz, atualmente, um modelo diferente de agenda. Algumas mostram-se mais detalhadas e completas, outras revelam déficits profundos.
A necessidade de acessar e compreender onze diferentes agendas, ou seja, onze diferentes metodologias de comunicação da operacionalização da atividade normativa da Administração Pública, reduz a inteligibilidade do sistema de planejamento regulatório federal brasileiro, aumentando o custo de obtenção de informação sobre a atividade normativa das agências. No agregado, tal circunstância impacta negativamente os benefícios de transparência esperados do planejamento regulatório.
A pesquisa confirmou a hipótese de que a disponibilização das agendas por meio da internet confere acesso facilitado às informações de planejamento. No entanto, o simples uso da internet não assegurou a transparência dessas informações, uma vez que constatamos que oito das onze agências reguladoras federais brasileiras divulgam agendas regulatórias bastante incompletas, disponibilizando 50% ou menos das informações exigidas pela metodologia adotada.
Nenhuma das agências divulga previamente, por exemplo, informação sobre os impactos esperados de suas iniciativas, dado essencial para orientar a necessidade da realização de estudos específicos, como AIR, e reduzir o custo de obtenção de informação dos agentes sobre as iniciativas mais relevantes dentre as prioridades das agências, o que facilitaria o monitoramento social dos reguladores.
Apenas uma agência divulga em sua agenda informações sobre a origem de suas iniciativas prioritárias, ou seja, se resultam do trabalho cotidiano da agência de aperfeiçoamento da regulação, de demandas específicas de grupos de interesse ou de determinações de órgãos de controle. Apenas duas informaram os grupos possivelmente afetados por suas iniciativas, menos da metade informa as normas que necessitariam ser revisadas em caso de aprovação das iniciativas e, surpreendentemente, apenas um pouco mais da metade informou em suas agendas o número do processo administrativo com base no qual suas iniciativas regulatórias prioritárias estão sendo avaliadas.
Apenas três agências divulgam as informações da agenda por meio de ferramentas digitais online. Essas ferramentas não se mostraram bem empregadas na divulgação das informações sobre o conteúdo das iniciativas, mas foram relativamente mais bem sucedidas, ao menos por duas agências, na divulgação das informações sobre os procedimentos normativos.
Diferentemente do esperado, não foram encontradas correlações positivas significativas entre as dimensões de informações analisadas, ou seja, curiosamente, por exemplo, agências que informaram melhor o conteúdo de suas iniciativas em suas agendas não se mostraram propensas a informar igualmente bem sobre os procedimentos administrativos normativos empregados para avaliá-las. Por outro lado, observou-se que agências mais jovens, ou seja, criadas mais recentemente, divulgam, tendencialmente, agendas regulatórias menos completas do que agências criadas há mais tempo, correlação que pode indicar que as agências aprendem a planejar e aperfeiçoam suas agendas ao longo do tempo.
Aneel e Anatel foram as agências que apresentaram os melhores desempenhos agregados da pesquisa. ANS e ANM foram as que apresentaram os piores desempenhos agregados. Por fim, um dos principais achados da pesquisa talvez seja que há oportunidades expressivas de melhorias nas agendas regulatórias de todas as agências reguladoras brasileiras em uma ou mais das dimensões analisadas, e o trabalho buscou apontar cada uma dessas oportunidades.
O estudo permitiu, por fim, a realização de algumas recomendações para o aperfeiçoamento do planejamento da produção normativa da Administração Pública. Dentre elas, sugeriu a ampliação do campo de incidência das regras de planejamento regulatório, para que elas não fiquem restritas às agências e sejam aplicáveis também aos demais órgãos da administração pública federal que exerçam atividades normativas relevantes, ampliando, como um todo, a transparência da produção regulatória. Recomendou também alterações normativas com o propósito de definir uma relação mínima, mas suficientemente completa, de informações que deveriam constar das agendas regulatórias, com o objetivo de melhorar, qualitativamente, o conteúdo das agendas e reduzir a heterogeneidade dos modelos de planejamento adotados pelas agências.
O trabalho recomendou, ainda, a adoção de uma plataforma digital gerida de forma centralizada para a divulgação das informações de planejamento e operacionalização da produção normativa de todas as agências reguladoras federais de modo minimamente homogêneo. O emprego de ferramentas online para otimizar a comunicação entre reguladores e a sociedade e a operacionalização da atividade normativa parece ser um imperativo do atual momento de transformação digital e os portais Regulations.gov (EUA) e Have-Your-Say (União Europeia) conferem boas referências de como as novas tecnologias de gestão digital de conteúdo podem ser empregadas para promover eficiência, transparência, participação e controle social da atividade normativa da Administração Pública.
Luiz Figueiredo é advogado, pesquisador voluntário do Projeto Regulação em Números e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito-Rio.