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A adesão do Brasil à OCDE e seus efeitos sobre a política regulatória brasileira
A adesão do Brasil à OCDE e seus efeitos sobre a política regulatória brasileira
por Natasha Schmitt Caccia Salinas e Lucas Thevenard Gomes
Nesta sexta-feira, dia 10/06, uma nota conjunta publicada pelos ministérios das Relações Exteriores, Economia e Casa Civil anunciou a aprovação de um "roteiro de acessão" do Brasil à OCDE. Segundo a nota, em seguida "caberá ao Brasil a redação de ‘memorando inicial’ com informações sobre a convergência do país aos instrumentos normativos da organização. Na sequência, terá início o exame das políticas e práticas nacionais pelos comitês temáticos da organização."
Há uma expectativa de que o ingresso na OCDE traga efeitos econômicos positivos para a economia brasileira. Um estudo do IPEA (Araújo Júnior, 2022) analisou experiências recentes de países que ingressaram na Organização, identificando prováveis reflexos para a economia brasileira relacionados ao aumento da captação de investimentos estrangeiros diretos (sobretudo dos chamados investimentos Greenfield ) e à integração com o comércio internacional, o que geraria impactos positivos sobre o crescimento econômico brasileiro. As estimativas atuais são de um incremento de 0,4% no PIB brasileiro por ano (Figueiredo, 2022), o que, se tomamos o PIB de 2021 como base, representa um ganho econômico da ordem de R$ 28 bilhões por ano.
O fundamento para esses efeitos estaria na melhoria do contexto institucional dos países que ingressam na OCDE. Segundo Araújo Júnior (2022), há uma tendência de que países que tenham recém-ingressado na Organização experimentem melhoria em indicadores de governança publicados pelo Banco Mundial, referentes ao controle de corrupção, à qualidade regulatória à estabilidade política e do Estado de Direito. No que se refere à agenda internacional de promoção da qualidade regulatória, a OCDE tem-se tornado uma referência internacional, publicando periodicamente diretrizes e recomendações de boas práticas e elaborando relatórios frequentes nos quais avalia o estágio de desenvolvimento das políticas regulatórias de seus membros, indica gargalos ou pontos de ênfase para aperfeiçoamento e monitora inovações regulatórias relevantes.
Deste 2012, a OCDE tem apresentado recomendações aos seus Estados Membros para que aprimorem a sua política regulatória. Há uma década, portanto, a organização tem recomendado que países adotem diversos instrumentos de política regulatória, dos quais merecem destaque (i) a adoção de mecanismos de participação nos processos de produção regulatória; (ii) a realização de estudos de Análise de Impacto Regulatório (AIR) no início do processo de formulação de políticas públicas; e (iii) a realização de avaliações dos efeitos das normas que compõem o estoque regulatório vigente (OCDE, 2012).
É inegável a influência da organização na formulação de políticas regulatórias nacionais, mesmo nos países que não fazem parte da OCDE. Vale lembrar que o Brasil já se engajou voluntariamente com diversas agendas propostas pela Organização. O Brasil é o país não membro com maior grau de adesão aos instrumentos normativos da OCDE e que participa do maior número de seus comitês (Araújo Júnior, p. 5). A agenda de melhoria regulatória (better regulation) oferece um exemplo bastante evidente do engajamento brasileiro com as medidas da OCDE.
A Lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019) estabeleceu, por exemplo, a obrigatoriedade de elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e de realização de consulta pública para adoção ou alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos (artigos 6º e 9º), com o intuito de ampliar a transparência do processo decisório das agências reguladoras federais. A Lei de Declaração da Atividade Econômica (Lei º 13.874, de 20 de setembro de 2019), estendeu a obrigatoriedade de adoção de AIR na produção de atos normativos de interesse geral para todos os órgãos da Administração Pública Federal, direta e indireta. Já o Decreto n. 10.411, de 30 de junho de 2020, estabeleceu condições para que entidades da Administração Federal avaliem retrospectivamente seus atos normativos. Esse regulamento atribuiu a denominação de Avaliação de Resultado Regulatório (ARR) à avaliação retrospectiva do estoque regulatório. Em sentido análogo, o Decreto 10.139, de 28 de novembro de 2019, estabeleceu a exigência de que os órgãos da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional revisassem e consolidassem os seus respectivos estoques regulatórios, revogando expressamente normas em desuso ou que tivessem sido revogadas apenas tacitamente, de forma a simplificar seus sistemas normativos.
A edição desses marcos legais seguramente revela o compromisso do Brasil em desenvolver uma política regulatória aderente às recomendações da OCDE. No entanto, esses avanços, embora louváveis, ainda são insuficientes para a construção de uma “Política Regulatória 2.0” que, nas palavras da organização, “olhe para o futuro” (OCDE, 2021, p. 27).
Um dos aspectos salientados pela OCDE para a construção de uma política regulatória para o futuro é o fortalecimento das ações de fomento, controle e coordenação do uso dos instrumentos de política regulatória. A OCDE parte do pressuposto de que essas ações são cruciais para a construção de uma política regulatória efetiva (OCDE, 21, p. 107). Embora não haja solução única para a institucionalização das ações de controle da agenda de qualidade regulatória , pressupõe-se que um órgão específico – apartado e independente das próprias instituições que produzem as normas regulatórias – deva assumir tal função.
A atuação desse órgão pode-se desdobrar em quatro ações principais: (i) controle de qualidade dos instrumentos de política regulatória, por meio da revisão de AIR, ARR e dos mecanismos de participação realizados); (ii) elaboração de normas e guias para o uso de instrumentos de política regulatória; (iii) ações de coordenação da política regulatória; e (iv) avaliação sistemática da política regulatória (OECD, 2021, p. 109). No Brasil, alguns órgãos como a Secretaria Executiva do Ministério da Economia, vem envidando esforços para avançar a agenda de melhoria regulatória, especialmente por meio de ações de divulgação dos instrumentos de política regulatória, bem como da elaboração de guias para o seu adequado uso.
Inexiste, no entanto, no país um órgão que desempenhe uma das principais ações de controle da política regulatória destacadas pela OCDE, que consiste na revisão da aplicação dos instrumentos de política regulatória pelos órgãos da Administração Pública federal. Os dados mais recentes divulgados pela organização revelam que cerca de 75% dos órgãos de controle de política regulatória de seus Estados membros revisam estudos de AIR, 45% revisam mecanismos de participação e 30% revisam ARRs (OECD, 2021, p. 111). Dentre os órgãos que revisam AIR, 45% deles possuem algum poder sancionador (e.g. poder para determinar que estudos de AIR sejam refeitos quando considerados insatisfatórios).
Será necessário, portanto, discutir seriamente o processo de institucionalização do controle da política regulatória no Brasil. Decisões importantes deverão ser tomadas sobre o tipo de entidade que deverá encarregar-se do controle (e.g. Casa Civil, Ministério da Economia, outros ministérios ou até mesmo órgãos não estatais), sobre quais atividades este órgão deverá desempenhar, bem como sobre quais as consequências das decisões de controle.
Uma das principais limitações da maioria dos órgãos de controle de política regulatória, segundo a OCDE, consiste em concentrar suas ações de revisão e avaliação em processos e exigências formais, ao invés de focar nos efeitos e resultados da atividade regulatória. Esse é um alerta que também deverá ser considerado pelo Brasil na institucionalização dos mecanismos de controle de sua política regulatória.
Natasha Schmitt Caccia Salinas
Professora do curso de graduação e do Programa de Pós-graduação stricto sensu da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio) desde 2018. Doutora e mestra em direito pela Universidade de São Paulo (USP). Master of Laws (LL.M) pela Yale Law School. Foi Professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) entre 2013 e 2017. Atualmente atua no projeto Regulação em Números, onde desenvolve pesquisas sobre processos decisórios em agências reguladoras, controle legislativo do poder executivo e produção normativa do poder executivo.
Lucas Thevenard Gomes
Pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE) da FGV Direito Rio, onde atua no Projeto de Difusão de Conhecimentos em Direito, Economia e Justiça (DEJ) e no Projeto Regulação em Números. Mestrando em Direito da Regulação pela Fundação Getulio Vargas - FGV Direito Rio (2019), com apoio financeiro da CAPES. MBA em Relações Internacionais pelo CPDOC da FGV.